As mudanças climáticas resultaram em um cenário trágico e recorde para os rios brasileiros em 2024. Pela primeira vez na história, em mais de um século de medições de volume, cinco grandes bacias hidrográficas do país tiveram decretado, oficialmente, “estado de escassez hídrica”, pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico).
Foi o que se viu nas bacias dos rios Madeira, Purus, Tapajós e Xingu, todos afluentes do rio Amazonas, e no rio Paraguai, que banha o pantanal.
Com exceção do rio Madeira, que já tinha sido escopo dessa situação extrema de seca, todos os demais motivaram decretos de escassez pela primeira vez nas medições, iniciadas há mais de século anos.
As informações obtidas pela “Folha”, por meio de dados oficiais da ANA, apontam que, somadas as áreas das cinco bacias afetadas, chega-se a um território totalidade impactado de 2,264 milhões de km².
Isso significa que, em 2024, ano em que o Rio Grande do Sul foi vítima das piores cheias da sua história, 26% do território vernáculo também sofreu com as consequências da seca extrema, impactando provimento humano, produção agrícola, logística e geração de pujança.
A enunciação de escassez hídrica não é uma mera formalidade. Esse instrumento utilizado pela ANA, na prática, serve de gatilho para que uma série de políticas públicas emergenciais possam ser tomadas para evitar a pane totalidade no sistema hídrico.
É o ato que alerta sobre a urgência de medidas preventivas do Corpo de Bombeiros, por exemplo, para evitar queimadas em áreas de seca extrema; para que o ONS (Operador Pátrio do Sistema Elétrico) altere o nível de um reservatório de hidrelétrica; ou para que Dnit (Departamento Pátrio de Infraestrutura de Transportes) acelere a dragagem (retirada de sedimentos) de um determinado trecho de rio para prometer a passagem de embarcações.
Verônica Sánchez, diretora-presidente da ANA, afirma que, neste ano, os decretos de escassez balizaram medidas preventivas na bacia do rio Paraguai, na região do pantanal, sinalizando que medidas de combate a incêndios tinham de ser antecipadas, devido à seca severa em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Na amazônia, onde a situação nunca havia chegado ao extremo atual, alertas também foram enviados para recomendar medidas na região do Madeira e Solimões, onde trechos chegaram a permanecer intrafegáveis.
“Tivemos a pior seca na região Setentrião em mais de século anos da série histórica. Com exceção do rio Madeira, foi a primeira vez que fizemos a enunciação de escassez nos demais rios. Observamos o comportamento cíclico dos rios e nunca encaramos zero parecido com o ocorreu agora”, diz Sánchez.
Limitações no monitoramento
O governo federalista tem adotado uma postura dúbia quando o tema é o monitoramento da situação hídrica do país. Se, por um lado, reconhece o cenário crítico e procura tomar medidas para reduzir seus impactos, por outro, corta orçamentos que estrangulam a capacidade de fiscalização.
A ANA possui 23 milénio estações de monitoramento hidrológico espalhadas pelos rios do país. Essa rede hidrometeorológica é o que irriga o “cérebro vernáculo”, para revistar vazões e cheias e estribar decisões.
Acontece que a escritório está sem nenhum estoque desses equipamentos, por falta de recursos. Hoje, se alguma estação quebrar, não há porquê repor.
Em maio, quando o Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, viu cidades inteiras serem engolidas pela vasa, até chegar ao Guaíba, em Porto Jubiloso, todas as 17 estações da região foram destruídas.
A ANA tinha oito equipamentos em estoque e os enviou para a região. Os demais foram recuperados até nascente mês.
Neste momento, porém, não há uma estação sequer disponível. Cada equipamento custa tapume de R$ 800 milénio.
“Nosso orçamento totalidade neste ano foi de R$ 227 milhões. O monitoramento fica com praticamente metade disso. São R$ 108 milhões por ano para manter as 23 milénio estações.
A questão é que sofremos um galanteio de R$ 43 milhões no início do ano, e isso não foi reposto. Ficamos sem condições, o estoque é zero”, diz Sánchez.
A escritório teve que trinchar ações para manter o pagamento da folha. Na terceirização administrativa, quem sai não é recomposto.
Hoje há um déficit de 101 pessoas no quadro. São 262 profissionais para monitorar todos os rios do Brasil, menos do que a escritório tinha em 2001, quando foi criada, com 350 pessoas.
O secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA (Ministério do Meio Envolvente e Mudança do Clima), André Lima, diz crer que as mudanças climáticas chegaram para permanecer e que as secas e enchentes serão cada vez mais frequentes e intensas.
“Não se adapta toda a gestão pública para nascente novo normal em um ano. Em situação de restrição fiscal, não é provável aumentar significativamente os orçamentos ordinários de todos os órgãos federais sem uma previsão clara e prévia”, afirma à “Folha”.
Em sua avaliação, o cenário climatológico passa a exigir um novo tipo de tratamento do tema pelo poder público. “Os sistemas mais assertivos permitem previsões meteorológicas com antecedência máxima de três meses.
Será preciso, inclusive, harmonizar e dar mais desembaraço aos procedimentos e mecanismos, para termos disponibilidade orçamentária extraordinária.”
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, lembra que o Brasil sempre teve exigência privilegiada em relação a outros países quando o tema é disponibilidade hídrica, sendo possuidor de 12% da chuva guloseima superficial do planeta, mas que o país não tem feito a atualização desse cenário com os quadros de escassez hídrica que afetam grandes bacias.
“Crise climática e crise hídrica estão associadas, mormente em situações que se combinam com a intensificação da degradação ambiental nos territórios.
Isso impõe maior atenção para o gerenciamento dos recursos hídricos e emprego completa e correta da Lei dos Recursos Hídricos”, avalia a perito.
“Não se pode privilegiar descaradamente um setor, porquê se faz com as grandes captações para rega. O olhar tem de ser para os usos múltiplos e, em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.”
Para Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasílio de Proteção Ambiental), a ampliação da crise vai gerar, no horizonte, mais disputas entre regiões por recursos hídricos, porquê ocorreu anos detrás com o sistema Cantareira, entre São Paulo e Campinas.
“Sistemas de reúso e saneamento andam a passos lentos, enquanto a crise climática aumenta continuamente a escassez. A conta não fecha. É preciso combater a mudança do clima e implementar governança hídrica para a sustentabilidade”, diz.
Márcio Santilli, sócio fundador do ISA (Instituto Socioambiental), redobra o alerta. “O Brasil é, ou era, o país com maior disponibilidade de chuva guloseima.
Com seguidas estiagens agudas, ingressamos num ciclo de escassez que afeta não só populações tradicionais, mas também prenúncio a cultivação, a geração de pujança e o provimento das cidades. Ou nos unimos para virar esse quadro, ou vamos nos queimar.”